Para amansar um animal, destroem-se-lhe os membros. Para amansar uma nação, destrói-se o seu povo. Rouba-se-lhe a vontade. Demonstra-se controlo absoluto sobre o seu destino. Prova-se-lhe, em última análise, quem decide, quem vive, quem morre, quem prospera, quem não prospera. Para mostrar a nossa força, exibimos tudo o que podemos fazer e a facilidade com que o podemos fazer. A facilidade com que podemos carregar num botão e aniquilar a terra. A facilidade com que podemos declarar a guerra ou fazer a paz. Como podemos tirar um rio a uns para o darmos a outros. Como podemos reverdecer um deserto ou derrubar uma floresta e plantar outra noutro sítio. Usamos a arma do capricho para minar a fé dos povos nas coisas antigas – terra, floresta, água, ar.
Feito isso, o que mais resta? Só nós próprios. Eles voltar-se-ão para nós porque somos tudo o que eles têm. Adorar-nos-ão mesmo desprezando-nos. Confiarão em nós apesar de nos conhecerem bem. Votarão em nós mesmo que lhes tiremos o último fôlego do corpo. Beberão o que lhes dermos a beber. Respirarão o que lhes dermos a respirar. Viverão onde despejarmos os seus haveres. Têm de o fazer. Que mais podem fazer? Não existe nenhum tribunal superior para onde possam apelar. Somos mãe e pai para eles. Somos o juiz e os jurados. Somos o mundo inteiro. Somos Deus.
O poder é fortalecido não só pelo que destrói mas também pelo que cria. Não só pelo que tira mas também pelo que dá. E a Impotência reafirma-se não só pelo desamparo dos que perderam, mas também pela gratidão dos que ganharam (ou pensam que ganharam).
Esta casta de poder contemporâneo e frio oculta-se entre linhas de cláusulas aparentemente nobres e constituições aparentemente democráticas. Ambas são empunhadas pelos representantes eleitos de um povo supostamente livre. Porém, monarca nenhum, déspota nenhum, ditador de século nenhum na história da civilização jamais teve acesso a armas desse calibre.
Dia a dia, rio a rio, floresta a floresta, montanha a montanha, míssil a míssil, bomba a bomba, quase sem o sabermos, tudo está a ser destruído.
(Arundhati Roy in Pelo bem comum, acerca das mais de cinquenta milhões de pessoas desalojadas pelas Grandes Barragens construídas no Rio Narmada, na Índia)
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